Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 14 de setembro de 2013

Costuma acontecer de manhã, quando já estou no ônibus indo para o trabalho. Surpreendo-me rezando o pai-nosso, que às vezes se prolonga numa ave-maria. É então que acontece a quebra. Não sendo mais um gesto rotineiro, quando começo a rezar suspendo o movimento, às vezes junto com a oração, e surpreendo em mim, diferentemente da fé, uma espécie de atavismo, memória do tempo em que rezar era inseparável da vida — e com isso se diz tudo. Que esse tempo era bom não há a menor dúvida. É sempre melhor ter fé do que não tê-la. Então agora tratar-se-ia de uma necessidade da fé? Quase um paradoxo isso, necessidade da fé, já que a fé não admite questão, e quem questiona não consegue simplesmente manter a fé, aquela que nos mantém unidos a uma crença ou religião. Mas não quero aqui começar a raciocinar por hipóteses, nem mesmo tentar racionalizar o meu gesto rotineiro. Ele tem força e dinâmica próprias, impõe-se sobre mim, memória de um tempo em que rezar era tão inquestionável quanto Deus.

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