Os médicos, ao longo dos anos, foram me cortando
vários pequenos prazeres do paladar, quando não fui eu mesma que me adiantei. Cada
um tinha sua explicação — a ATM (disfunção da articulação temporomandibular), o
fígado, o colesterol, por fim o labirinto. Saíram da mesa, mais ou menos nessa
ordem, o café, a cerveja, o vinho, o chocolate, o capuccino, o licor... Substituí o chocolate pela canela, no leite, e ficou saboroso. Mas é pouco para tantos
sabores que foram subtraídos. Então eu reabilitei o café, expulso há pelo menos
vinte anos, porque se trata de poder ter algum vício, e o fiz em grande estilo,
porque, já que é um vício, que seja um vício decente.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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