Trecho da entrevista concedida por Graciliano Ramos a Homero Senna, em 1944:
NUNCA FUI MODERNISTA
― Então, se procurava manter-se tão bem informado a respeito do que se passava no Rio e no resto do mundo, deve ter acompanhado, lá de Palmeira dos Índios, o movimento modernista.
― Claro que acompanhei. Já não lhe disse que assinava jornais?
― E que impressão lhe ficou do Modernismo?
― Muito ruim. Sempre achei aquilo uma tapeação desonesta. Salvo raríssimas exceções, os modernistas brasileiros eram uns cabotinos. Enquanto outros procuravam estudar alguma coisa, ver, sentir, eles importavam Marinetti.
― Não exclui ninguém dessa condenação?
― Já disse: “salvo raríssimas exceções”. Está visto que excluo Bandeira, por exemplo, que aliás não é propriamente modernista. Fez sonetos, foi parnasiano. E o “Solau do Desamado” é como as “Sextilhas de Frei Antão”. Por dever de ofício, pois estou organizando uma antologia de contos brasileiros, antologia que rola há mais de três anos, tive de reler toda a obra de um dos próceres do Modernismo. Achei dois contos de cinco ou seis páginas cada um. E pergunto: isso justifica uma glória literária?
Franze a testa, detém-se um instante, mas logo prossegue:
― Os modernistas brasileiros, confundindo o ambiente literário do país com a Academia, traçaram linhas divisórias rígidas (mas arbitrárias) entre o bom e o mau. E, querendo destruir tudo que ficara para trás, condenaram, por ignorância ou safadeza, muita coisa que merecia ser salva. Vendo em Coelho Neto a encarnação da literatura brasileira ― o que era um erro ― fingiram esquecer tudo quanto havia antes, e nessa condenação maciça cometeram injustiças tremendas. Nas leituras que tenho feito, para a organização da coletânea a que me referi, encontrei vários contos, de autores propositadamente esquecidos pelos modernistas e que seriam grandes em qualquer literatura. Lembro-me de alguns: “O Ratinho Tique-Taque”, de Medeiros e Albuquerque; “Tílburi de Praça”, de Raul Pompéia; “Só”, de Domício da Gama; “Coração de Velho”, de Mário de Alencar; “Os Brincos de Sara”, de Alberto de Oliveira. Nas antologias que andam por aí essas produções geralmente não aparecem, e de alguns dos autores citados são transcritos contos que não dão idéia exata do seu talento e do domínio que tinham do gênero. Só posso atribuir isso, como já disse, à desonestidade. Porque, se os compararmos aos produtos dos líderes modernistas, estes se achatam completamente.
― Quer dizer que não se considera modernista?
― Que idéia! Enquanto os rapazes de 22 promoviam seu movimentozinho, achava-me em Palmeira dos Índios, em pleno sertão alagoano, vendendo chita no balcão.
SENNA, Homero. República das letras. Entrevista com 20 grandes escritores brasileiros. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p. 201-202.
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