Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 1 de setembro de 2010

João Cabral de Melo Neto

A preguiça

Que relação o bicho preguiça
poderá ter com a metafísica?

No Recife, um doutor chamou-o
de psicopata catatônico,

o que fez de imediato a igreja
condenar o doutor (sua ovelha):

Deus não criaria um ser doente;
a doença é do pecadamente;

ela é do homem, que foi criado
para que existisse o pecado,

com seu horror e seu error,
como no diagnóstico do doutor.

MELO NETO, João Cabral. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 223.

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