Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 16 de abril de 2011

violência: acerca de uma narrativa de Kafka

Sobre esta narrativa de Kafka, Pequena Fábula, diz um crítico informado: "Para o rato não existe escolha, ou melhor: essa escolha só pode se dar entre as de submeter-se à violência da ratoeira ou à violência do gato. Nas Conversações com Kafka, de Gustav Janouch, o poeta de Praga afirma, a dada altura, o seguinte: 'Existe muita esperança, mas não para nós'. Era esse o teor, a base, da sua dialética negativa ― e não há como discordar da coerência do humor negro contido nessa fábula." 

CARONE, Modesto. Lição de Kafka. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.35-36.

A violência é um fato. Um dado bruto daquilo que, como advertia Fernando Pessoa, abusivamente chamamos de vida real. A violência não está nas pessoas, em fulano, sicrano ou beltrano, está nas forças que as agenciam, ou pelas quais somos agenciados. Depois de Foucault, ficou relativamente fácil dizer isso. O que incomoda na narrativa de Kafka, e no comentário, é a anulação completa da esperança, o que equivale a dizer que não há saída. Há saída, e o próprio Kafka apontou uma, numa singela e curiosa narrativa, A verdade sobre Sancho Pança. Porque deve existir algo além do simples espetáculo do horror da violência.

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