A vantagem de não ter lido certas histórias durante a infância é a possibilidade de se surpreender com aquilo que todos já sabem. Conhecia por alto a história do patinho feio, de Hans Christian Andersen, mas nada sabia de seu desfecho. Na minha cabeça, a história gravitava apenas em torno da inadequação do patinho, e imaginava uma possível aceitação pelo grupo. Surpreendi-me com a descoberta do patinho, de que era um belo cisne. A história parece querer mostrar o quanto o olhar do outro condiciona o próprio olhar. Num mundo em que a coerção do grupo recebeu um substancioso impulso das redes sociais, sentir-se inadequado pode ser um sinal de saúde, de vida que resiste: ninguém é obrigado a vestir-se de pato só porque todos acham que este é o melhor perfil.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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