Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 13 de agosto de 2011

mito

Um vento soprando da região do mito
balançou meu corpo.
Conheço-lhe o teor, o terror
que me inspira, e fui às lágrimas.
Um vento cuja travessia faz um
qualquer humano dizer:
― Conheço minha tragédia.

Soprou por dois dias ―
suficientes para silenciar
esperanças íntimas,
dispersão das palavras
nos arredores da vida.
Trouxe-me náusea.

Foi-se, posto vento,
mas o adjetivo é
mais que acessório ―
os fundamentos do edifício
não ficam incólumes à força do vento,
ao que ele leva ou deixa.
Levou palavras.
Deixou folhas secas
que estalam ao toque
e pedem cautela,
memória possível
do abalo da construção.

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