Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 1 de janeiro de 2012

contra/dicção

É que há algo maior em ação, o que traduziria por sensação de marionete. Se a mitologia concedeu à esperança um lugar único, é porque desde cedo o homem reconheceu o quanto dependia desse sentimento para seguir em frente. Onde está a contradição? Na sensação de impotência diante da força da esperança. Há dois dias, ao rever um poema de Emily Dickinson, pensava no extraordinário poder da palavra proferida, a tal ponto que, sem perceber, o tempo todo se está interferindo no desconcerto do mundo. Guimarães Rosa, mirando Camões, falou no concertar consertado: “Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo.” Se tivesse sido dito consertar concertado, mudaria muito? Concertar, consertar... uma partitura também se desarranja, e não é novo o símile entre música e vida ― às vezes mais ruído que sinfonia (ou sintonia). Mas então os ruídos precisariam ser incorporados à partitura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário