Eu queria poder escrever (se é que posso) prescindindo do mas (e correlatos). Há muito penso nisso, como uma ideia que borboleteia e vai embora. Quer se trate da coordenada adversativa, quer se trate da subordinada concessiva, é sempre o mesmo esteio, em que se toma pela mão o argumento secundário para em seguida dá-la ao que de fato interessa. O argumento é colocado num patamar de certa relevância para em seguida ser abandonado. Ocorre que todas as vezes que tentei dizer alguma coisa sem o mas não consegui. É como se fosse um mecanismo de pensar longamente assimilado. Por exemplo, tenho vontade de dizer que a chuva que agora cai me passa uma sensação de profunda paz, mas não posso dizer isso sem pensar no que a chuva representa todos os anos, em especial nesta época do ano, nos lugares em que ela faz estragos, causa danos, pelos motivos que todos já conhecem. Não posso apreciar a chuva que cai inocentemente (o advérbio aqui modificando potencialmente dois verbos deste enunciado), e este é o mas que atravanca a beleza desta chuva que afinal só está fazendo seu papel de água em movimento na natureza. Que o homem tenha distorcido os ciclos naturais, de nada disso a água sabe. A água, que agora cai com força, não tem contradição.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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