Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

"penso que deve existir para cada um / uma só palavra..."

O poema de Herberto Helder falava de uma palavra, para cada pessoa, intransferível, deixada virgem pela inspiração dos povos. Eu quero a palavra “orvalho”. Estava a ler isto, do mesmo Herberto: “Havia um homem que corria pelo orvalho dentro. / O orvalho da muita manhã.” Foi quando me dei conta de que moro na cidade, num apartamento situado num edifício-condomínio, cidade que me aconselha a voltar em segurança para casa, de preferência cedo, e que estas não são condições para se perceber o orvalho, nem mesmo para ele se manifestar ― tudo isso num instantâneo de pensamento, em que já lia também o outro poema e descobria a palavra "orvalho". O orvalho pede outra espécie de experiência com a noite. Migrei para antigas manhãs, noites silenciosas, o aviso para tomar cuidado com o sereno. A suprema leveza do orvalho, o frescor derramando sobre o dia findo um manto que ao espírito acalmava. Orvalho, palavra que tomei para mim.

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