Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

transbordamento



Todo mundo conhece o ritual de mudar(-se): embalar livros, pertences, coisas várias, enfim, a casa, em caixas de papelão. Para quem faz isso amadoristicamente, o ritual inclui fazer incursões ao supermercado mais próximo, várias vezes às vezes, e voltar para casa munido de boas caixas, limpas e novas, desmontadas, resistentes e prontas para acondicionar o lar, em migração para novo endereço. Não é que hoje, no supermercado, ao bater os olhos em uma caixa novinha em folha, me lembrei no átimo do ritual? Naturalmente porque, em função de escolhas e demandas profissionais, tive de fazê-lo um bom número de vezes. Então a singela caixa ― aberta, ainda por cima ― teima em me lembrar que minha condição, por mais assentada que agora pareça, guarda uma memória de itinerância?  Memória que parece querer transbordar das muitas caixas em que fiz caber... o que exatamente?

Parêntese: o editor de textos grifa em vermelho o termo “itinerância”, e o Houaiss não o registra. Também num texto há muita coisa que não quer caber, e dele transborda.

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