Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 20 de março de 2012

Jorge de Lima: Livro de Sonetos

Era um tempo de olhares alternados
em que dois entes ou anjos, curiosos
me fitavam das trevas ou de cima,
dias e noites, duros, obstinados.

Livraram-me dos seres entranhados
em nós, uns mansos e outros tumultuosos
transmitidos de sangues e de climas,
da vida extinta dos antepassados.

Esperaram que me fizesse poeta
para dissimular seus greves rostos
e me espreitarem hoje disfarçados.

E eis que deixando essa órbita secreta:
lançam ao poema risos e desgostos,
gritam em torno, chamam-me dos lados.

Jorge de Lima. Poemas negros. Rio de Janeiro: Record, 2007, p.146.

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