Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 18 de março de 2012

Rainer Maria Rilke: Sonetos a Orfeu

II.20

Quanto espaço entre estrelas distantes!
Mais distante está o que aqui se aprende.
Alguém, por exemplo, um menino... outro adiante,
afastados entre si incompreensivelmente.

Palmo a palmo o destino mede nosso ser,
embora nos pareça estranho que assim seja.
Pensa: quantos palmos entre o homem e a mulher,
quanto mais o evita, mais ela o deseja.

Tudo é distância. Não se fecha a circunferência.
Vê sobre a mesa os peixes na travessa,
olhos frios na cara gelada.

Peixes são mudos... achava a ciência.
Mas afinal há um local, no qual se expressa
a língua dos peixes, por eles não falada?

RILKE, Rainer Maria. Os sonetos a Orfeu. Elegias de Duíno. Trad. Karlos Rischbieter e Paulo Garfunkel. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.104-105. Vale a pena cotejar com a tradução de Augusto de Campos.

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