Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 12 de abril de 2012

Álvaro de Campos: versos de estranhamento

Através do ruído do café cheio de gente
Chega-me a brisa que passa pelo convés
Nas longas viagens, no alto mar, no verão
Perto dos trópicos (no amontoado nocturno do navio ―
Sacudido regularmente pela hélice palpitante ―
Vejo passar os uniformes brancos dos oficiais de bordo).
E essa brisa traz um ruído de mar-alto, pluromar
E a nossa civilização não pertence à minha reminiscência.

PESSOA, Fernando. Poesia completa de Álvaro de Campos. Ed. Teresa Rita Lopes. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007, p.100.

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