Um trecho aleatório de A descoberta do mundo: “Não era mais que um impulso. Para ser mais precisa, era impulso apenas,
e não um impulso. Não se pode dizer que este impulso mantinha a mulher porque
manter lembraria um estado e não se poderia falar em estado quando o impulso o que
fazia era continuamente levá-la. É claro que, por hábito de chegar, ela fazia
com que o impulso a levasse a alguma parte ou a algum ato. O que dava o
ligeiríssimo desconforto de uma traição à natureza intransitiva do impulso. No
entanto, não se pode nem de longe falar em gratuidade do impulso, apenas por se
ter falado de uma coisa intransitiva. Com o hábito de ‘comprar e vender’, atos
que dão o suspiro de uma conclusão, terminamos pensando que aquilo que não se conclui, não se finda, fica em fio solto, fica
interrompido. Quando, na verdade, o impulso ia sempre.”
A
descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.246-247, excerto de crônica
publicada em 29 de novembro de 1969, “Da natureza de um impulso ou entre os números um ou computador eletrônico”.
PS. A intenção inicial era outra: nem de longe eu imaginava
abrir aleatoriamente A descoberta do
mundo e encontrar, de imediato, uma densidade tão grande. Esperava apenas o suspiro de uma dissonância.
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