― Mas agora vamos
brincar de outra coisa. Quero saber se o senhor é inteligente. Este quadro é
concreto ou abstrato?
― Abstrato.
― Pois o senhor é
burro. É concreto: fui eu que pintei, e pintei nele meus sentimentos e meus
sentimentos são concretos.
― É, mas você não é
todo concreto.
― Sou sim!
― Não é! Você não é
todo concreto porque seu medo não é concreto. Você não é completamente
concreto, só um pouco.
― Eu sou um gênio e
acho que tudo é concreto.
― Ah, eu não sabia
que o senhor é um pintor famoso.
― Sou. Meu nome é
Bergman. Maurício Bergman, sou sueco e sou um gênio. Nota-se pela minha
fisionomia, olhe: eu sofro! Agora quero saber se o senhor entende de pintura.
Aquele quadro é concreto?
― É, porque se vê
logo que é um mapa, pelas linhas.
― Ah, ééé? e
aquele?
― Abstrato.
― Errado! Então aquele
também tinha que ser concreto porque também tem linhas.
― Vou explicar ao
senhor o que é concreto, é...
― ... está errado.
― Por quê?
― Por que eu não
entendo. Quando eu não entendo, é porque você está errado. E agora quero saber:
isto é compreto?
― O senhor quer
dizer concreto.
― Não, é compreto mesmo. É porque sou um gênio e
todo gênio tem que pelo menos inventar uma coisa. Eu inventei a palavra compreto. Música é compreta?
― Acho que é,
porque a gente ouve, sente pelos ouvidos.
― Ah, mas o senhor
não pode desenhar!
― O senhor acha que
o teto é concreto?
― É.
― Mas se eu virasse
essa parede e botasse ela na posição do teto, ela ia ficar uma parede-teto, e
essa parede-teto ia ser concreta?
― Acho que talvez.
Fantasma é concreto?
― Qual? O de
lençóis?
― Não, o que
existe.
― Bem... Bem, seria
supostamente concreto.
― Mas é concreto ou
abstrato?
― Concreto, é
claro, que burrice.
No quarto ao lado a
mãe parou de coser, ficou com as mãos
imóveis no colo, inclinando um coração que este batia todo concreto.
LISPECTOR, Clarice. A descoberta
do mundo: crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.432-433.
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