Reportagem da revista Época (versão impressa) da semana passada anuncia que “Somos todos
vigiados” e, logo de saída, convida um engenheiro especialista no assunto para
dizer que “A única saída, neste momento, seria parar de usar a internet.” O
fato de sermos vigiados não é nenhuma novidade. Na versão impressa, evitou-se o
agente da passiva, mas não na digital. O agente da passiva do momento, digo, o
espião, é o governo americano, mas eu, por exemplo, já fui vigiada por meus
pais, pela Igreja, pela escola, depois pela sociedade, pelos amigos, e, numa etapa
seguinte, pelo que vou chamar aqui de “ambiente de trabalho”. Estou casca e
fruta prontinha para ser espionada pelo Google. Porque o aprendizado daqueles
mecanismos foi tão intenso e eficaz (família, escola, religião, sociedade...)
que o espião nem mais se faz necessário: está em mim. E eu já tenho o contra-aprendizado:
conheço-o melhor do que ele a mim.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
Nenhum comentário:
Postar um comentário