Dois filmes envolvendo a figura do papa, mas com
perspectivas diferentes, talvez pudessem aplacar — ou quem sabe nublar de vez — a
ansiedade que deve estar tomando conta das autoridades do Rio de Janeiro quanto à visita do Sumo Pontífice ao Brasil na próxima semana, mais
especificamente à cidade maravilhosa, em face dos últimos acontecimentos. Um
deles é Habemus Papam (2011), do
consagrado Nanni Moretti, que com seu humor característico tenta humanizar o
Vaticano, mediante pequenos lances dramáticos e potencialmente cômicos do
cotidiano. A ideia de um papa que surta quando entrevê a efetiva responsabilidade
que tem pela frente — e o próprio desfecho do filme — dão a dimensão da
possível incompatibilidade entre estar à frente do comando da Igreja e conhecer
efetivamente os dramas e angústias de seus fiéis, talvez nem mais tão fiéis
assim. E é essa incompatibilidade, ou distância, que é explorada na comédia
dramática O Banheiro do Papa (2007),
uma coprodução Uruguai-Brasil-França. O caráter teatral, de encenação do
exercício do papado, que Habemus Papam
sugere, fica evidente na distância que o então papa João Paulo II mantém da
população de Melo, pequena cidade da fronteira Brasil-Uruguai, que se preparou de
todas as formas para recebê-lo, não por motivos religiosos, mas por ter visto na
visita do Sumo Pontífice uma oportunidade de ganhar dinheiro com os brasileiros
que acorreriam ao local, e que teriam, entre outras, a necessidade de se
alimentar, por exemplo. É então que o protagonista tem a ideia de construir o
banheiro — não para o papa, mas para aqueles que iriam vê-lo. O papa chega,
acena, celebra sua missa e vai embora. Os brasileiros não aparecem. A proporção
que tudo toma acentua o contraste entre as expectativas do lugarejo pobre,
bastante pobre, e o caráter de encenação da visita do papa — a mudança esperada não veio. E se os fiéis que
o filme de Moretti encena têm seu quê de sofisticação, aqueles de Melo são
fiéis às necessidades mais básicas de sobrevivência. Daí, talvez, a ideia
engenhosa do protagonista, na ausência do dinheiro — e de um divã.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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