Um colega da filosofia, outro, falava da intenção de
exibir Mad Max como ilustração da tese de Hobbes sobre o estado de natureza,
creio que o terceiro filme da sequência. Resolvi rever a trilogia, e para minha surpresa
achei o terceiro filme, talvez o que mais prometesse, inclusive pela atuação conjunta de Tina
Turner, o mais fraco — o correto seria dizer irregular. Mas o fato é que o
estado de natureza está lá, progressivamente se instaurando à medida que a
violência avança sobre a vida das personagens. O primeiro filme, futurista, é convencional,
à moda do herói romântico justiceiro, e mostra a gênese da personagem, que vai aparecer
com um etos diferente na sequência da trilogia. Esta, ao adotar uma perspectiva
pós-apocalipse, torna possível observar, sobre as pessoas, o efeito do retorno
ao estado de natureza. A sombra do herói (Mel Gibson) não desaparece, mas as
relações são apenas e unicamente a guerra contínua pela sobrevivência — individual
ou em pequenos grupos — sempre baseados na dominação e na violência. A exceção é
a pequena comunidade edênica que surge no terceiro filme, sem dúvida seu ponto
fraco, fraquíssimo, porque não é um contraponto convincente ao inferno de
Batertown, governado por Tina Turner, parecendo antes os eternos meninos da
terra do nunca. No conjunto da trilogia,
o herói torna-se anti-herói, nômade, errante, solitário, e a moeda de troca
para a sobrevivência, de todos, torna-se a própria troca em si — o que cada um
tem a oferecer em troca da vida, no limite a própria vida.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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