No ano em que protestos e manifestações — deflagrados
por reivindicações por melhorias nos transportes públicos — sacudiram o país, mudando
a imagem que o poder tinha dos brasileiros, o governo propõe como tema supostamente
relevante para discussão entre jovens que estão terminando o ensino médio a
chamada lei seca. Nas ruas, nas manifestações, os jovens propuseram várias
pautas de discussão e negociação, levantaram debates até então engavetados e
considerados pouco importantes pelo poder. Debates que ninguém imaginaria viessem à tona. Na redação do Enem, todavia, os jovens, os mesmos das manifestações,
foram convidados a falar de um tema fora de foco, digamos assim. Não é que a lei seca não seja importante. Como outras leis, merece toda a atenção da sociedade. Mas ela já foi debatida e implementada, não é mais a bola da vez. Sabe-se, ademais, que as redes sociais são usadas para evitar flagrantes do bafômetro. Em adição, está pressuposto no tema, ao
contrário das reivindicações por melhorias nos transportes públicos, que esses
jovens serão futuros proprietários de automóveis, e que deverão beber com
moderação, evitando fazê-lo quando forem dirigir seus carros. Perfeito. Mas trata-se de um horizonte
burguês, portanto prevendo um jovem enquadrado em um lugar social e profissional,
dobrado às imposições (ou necessidade, talvez) de ter um automóvel e usá-lo de
forma responsável. Mais um pouco e o Enem se transforma em um manual de
instruções para a vida adulta regrada. Por esse prisma, não é de espantar que, no exame de 2012, um candidato tenha inserido uma receita de macarrão instantâneo no texto. E o protagonismo
juvenil? E a luta por educação, saúde e serviços públicos de qualidade? E as tantas outras leis importantes, que vêm passando ao largo do debate social?
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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