Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Machado de Assis segundo Sérgio Buarque de Holanda

“Comparado ao de Pascal, o mundo de Machado de Assis é um mundo sem começo, sem Paraíso. De onde uma insensibilidade incurável a todas as explicações que baseiam no pecado e na queda a ordem em que foram postas as coisas no mundo. Seu amoralismo tem raízes nessa insensibilidade fundamental. A lei moral nasce de uma demagogia caprichosa e insípida, boa para confortar a vaidade humana. Nossos atos não têm um fim determinado e o espetáculo que oferece a agitação dos homens dá a mesma sensação que dão os discursos de um doido. De onde também esse fato que, para a interpretação da obra de Machado de Assis, tem suma importância: seu mundo não conhece a tragédia. Ou melhor, nele, o trágico dissolve-se no absurdo e o ridículo tem gosto amargo.” Mais adiante: “Na ideia de um mundo absurdo ― não trágico, mas absurdo ― somado a esse sentimento de penúria encoberto pela ironia, é que, segundo me parece, devem ser procuradas as origens do humour de Machado de Assis.”

HOLANDA, Sérgio Buarque de. A filosofia de Machado de Assis. ___. O espírito e a letra. Estudos de crítica literária I, 1920-1947. Org. Antonio Arnoni Prado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.305-312. [Publicado originalmente em 1940, Diário de Notícias - RJ]

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