“Comparado ao de Pascal, o mundo de Machado de Assis é um mundo sem começo, sem Paraíso. De onde uma insensibilidade incurável a todas as explicações que baseiam no pecado e na queda a ordem em que foram postas as coisas no mundo. Seu amoralismo tem raízes nessa insensibilidade fundamental. A lei moral nasce de uma demagogia caprichosa e insípida, boa para confortar a vaidade humana. Nossos atos não têm um fim determinado e o espetáculo que oferece a agitação dos homens dá a mesma sensação que dão os discursos de um doido. De onde também esse fato que, para a interpretação da obra de Machado de Assis, tem suma importância: seu mundo não conhece a tragédia. Ou melhor, nele, o trágico dissolve-se no absurdo e o ridículo tem gosto amargo.” Mais adiante: “Na ideia de um mundo absurdo ― não trágico, mas absurdo ― somado a esse sentimento de penúria encoberto pela ironia, é que, segundo me parece, devem ser procuradas as origens do humour de Machado de Assis.”
HOLANDA, Sérgio Buarque de. A filosofia de Machado de Assis. ___. O espírito e a letra. Estudos de crítica literária I, 1920-1947. Org. Antonio Arnoni Prado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.305-312. [Publicado originalmente em 1940, Diário de Notícias - RJ]
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