Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sérgio Buarque de Holanda e o "homem cordial"

“Eu nunca disse que achava o brasileiro bonzinho. Eu disse cordial, cordial assim: ‘de coração’. Podia até detestar cordialmente. Isso não quer dizer que seja ‘cordiais saudações’. Hoje, eu não usaria essa expressão porque é ambígua e se presta a essas dúvidas. Hoje, usaria outra. Mas não vou renegar o que eu escrevi há 40 anos. Mas nunca disse que o brasileiro é bonzinho. O sujeito pode ser mauzinho e mauzão também.”

Sérgio Buarque de Holanda em entrevista concedida à Folha de S. Paulo em junho de 1977, respondendo às perguntas: “E o mito do homem cordial? Do homem bonzinho!” Trata-se de alusão ao polêmico capítulo de Raízes do Brasil, “O homem cordial”, que assinala, logo de início, as implicações políticas da não separação entre a ordem familiar e a ordem do Estado, prenhe, entre nós, das mais nefastas consequências no âmbito da política, por exemplo no trato com a coisa pública, a própria dificuldade de se constituir, efetivamente, uma esfera pública: “[...] onde quer que prospere e assente em bases muito sólidas a ideia de família ― e principalmente onde predomina a família de tipo patriarcal ― tende a ser precária e a lutar contra fortes restrições a formação e evolução da sociedade segundo conceitos atuais.”

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.143-144. O trecho da citada entrevista encontra-se em: Encontros: Sérgio Buarque de Holanda. Org. Renato Martins. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009, p.97.

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