Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

sonhos

Enquanto voltava da cidade, após mais uma sessão de análise, me dei conta do quanto certos sonhos são premonitórios. A tal ponto que me vejo elaborando questões cruciais em suas imagens. Pois nunca me recordo de diálogos nos sonhos que tenho, são apenas imagens, situações o mais das vezes sem nexo entre si, difíceis mesmo de serem apreendidas pela consciência desperta, mas às vezes de uma clareza absurda. Por exemplo, agora que falo da minha análise, e que estou com uma profissional de orientação diferente. Eu estava sonhando coisas estranhas com minha outra analista: pouco tempo depois eu interrompi o tratamento, da forma mais inesperada possível: levantando-me e indo embora mal tinha iniciado a sessão. Sabia que não iria voltar, como não voltei. Em um dos sonhos ela aparecia numa situação extremamente invasiva, o que, em se tratando da cena e fala psicanalítica, costuma ser problemático. A escuta do profissional precisa ser boa, se não o processo emperra, não anda. Mas o mais curioso foi um ato falho que tive, bem acordada. Tinha acabado de sair de uma sessão, aborrecida com uma fala dela e, logo que saí, pensei, na maior distração, algo assim: preciso levar isso para o meu analista. Ora, isso é uma hipótese que traz em si o absurdo como possibilidade. Leva-se para o analista tudo que se possa imaginar e consentir, mas levar o próprio analista é um pouco mais problemático. Bobagens, basta as que eu falo ao profissional, pagando caro, diga-se. 

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