O bizarro post anterior, without words, vem a propósito dos sonhos. Durante muito tempo, tive dois sonhos recorrentes: ainda na infância, sonhava que tentava fugir de alguma coisa, ou sair de algum lugar: corria e corria mas sem conseguir me mover, me locomover (aflitivo); num segundo sonho, bastante caro a quem veio de condições sociais pouco favoráveis, já adulta, encontrava-me em situações sociais, públicas, desvestida de sapatos, quer dizer, com os pés nus. No país das havaianas anda-se no máximo com os pés seminus. Pois bem: parei de sonhar que estou em público com os pés constrangedoramente expostos (era o que sentia, vontade de me esconder, enquanto tentava entender, no sonho, como tinha ido parar naquela situação), talvez porque tenha conseguido alguma mobilidade social à custa de estudo e trabalho. De todo modo, herdei dos tempos mais austeros o hábito de ter poucos sapatos. E continuo sonhando.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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