Pessoas sofisticadas que não sabem o que fazer diante do que não entendem, ou relutam em aceitar. Se o principal personagem deste filme é a ausência, o súbito vazio deixado por uma vida que se vai sem explicação, o quarto do filho é o lugar dessa ausência, e o divã o lugar onde a culpa (não) se resolve. O divã, a experiência da cura pela palavra que o pai conduz com destreza e segurança, atrela-se, pelo acaso, à morte acidental do filho, e o pai se desnorteia com isso, não entende mais sua profissão, pois passa a vê-la como instância da culpa que sente: a culpa por não conhecer bem o filho, a culpa por não ter passado mais tempo com ele, a culpa pelas escolhas que fez, ou acredita ter feito. Em todo caso, os papeis analista/paciente são subitamente invertidos: é o analista que precisa do divã para continuar seguindo sua vida. Mas o que ele faz/fazia pelos outros não consegue fazer por si próprio, e os três seres da família que continuam vivos parecem não encontrar mais sentido em viver juntos. Na cena final, na praia, cada um caminha em uma direção, deixando tudo num plano vago e indefinido. Se o divã funcionava para fora dos limites da casa, ele desaparece como possibilidade de resolver o drama familiar que se instala, a ele atrelado. Todos são cultos, sofisticados, comunicam-se com elegância, usam a linguagem de forma fluida, mas choram em segredo. Após a missa pelo filho, o pai questiona vivamente o provérbio cristão mencionado pelo sacerdote, do ladrão que entra na casa de surpresa, levando o que encontrar, uma outra forma de falar de acaso, destino e fatalidade. Ele questiona vivamente o dito cristão, mas antes de sua perda dolorosa tentava, de alguma forma, fazer seus pacientes aceitarem suas vidas, suas limitações, num plano fortemente intelectualizado. Contradições são apontadas pelos próprios pacientes, mas o que tira tudo dos eixos é o acaso, o imprevisível, a dor pela perda, acentuada pela culpa. O divã falha, a linguagem só tinha valor, e um valor elevado, enquanto aquela família era feliz. Mas então é o próprio pressuposto do divã que está sendo posto em causa. O quarto do filho dá notícia do vazio com que lida todo aquele que se dispõe a fazer análise.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário