Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O espelho cego - Cildo Meireles

imagem obtida aqui

"O trabalho produzido em 1970 apresenta uma textura cinzenta, enquadrada em uma moldura. A observar a peça, o espectador é confrontado com uma massa que, de modo ambivalente, está entre a forma e o informe. Acostumados com a ideia de que um espelho devolva nossa imagem tal como é, vivemos situação similar à do protagonista do conto "O espelho", de Guimarães Rosa. (...) A obra não apenas sugere que o espelho seja cego por ser incapaz de retribuir como esperado pela retina. É a própria visão do espectador que, pela vivência do choque, se vê ameaçada por uma contemplação que provoca tensão na estabilidade do olhar. (...) O espectador, se sustentar o olhar, se perguntará pelos limites da própria percepção, limites que estabelecem uma impossibilidade de deixar fluir a visão. O que está sendo visto, o que pode ser visto? É a própria visão do espectador que percebe seu limite, sua incapacidade de ver. A obra aponta para uma forma de subjetividade que exige atenção. Contrariando as heranças vindas do pensamento cartesiano e do Iluminismo, encontramos aqui a projeção da imagem de um sujeito que não tem condições de organizar a produção do conhecimento. Essa limitação faz com que se volte sobre si, atingido pela própria incompreensão. É um sujeito que, descobrindo uma distância entre sua auto-imagem habitual e inesperadas imprecisões, está aquém de si mesmo."

GINZBURG, Jaime. Cegueira e literatura. In: VECCHI, Roberto; FINAZZI-AGRÒ, Ettore. Formas e mediações do trágico moderno: uma leitura do Brasil. São Paulo: Unimarco, 2004, p.89-90.

Um comentário:

  1. Mto bom! Obrigado! Mto boa a aproximação com Guimarães Rosa. E essa dimensão "aquém de si", pré-subjetiva... enfim, mto bom!

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