Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 25 de março de 2011

trecho de conversa: a confusão da vida

"Vou terminar com uma frase que tenho dito para mim: fique bem, apesar de tudo." São muitas as vozes, as possibilidades, as exigências. Meu nível de exigência comigo mesma é elevado, o que é bom e ruim ao mesmo tempo. Bom porque mantém sempre por perto o farol crítico. Ruim porque traz sofrimento. Na confusão do trânsito do início da noite, enquanto tentava tomar um táxi, percebei que ultimamente tenho estado às voltas com muitas decisões, decisões que representam escolhas. E aí flagrei: qualquer que seja o caso, estou sempre tentando não errar, o que cria uma armadura, uma couraça. Senti um imenso cansaço de mim mesma, desse enrijecimento da vida. Não errar, fazer sempre escolhas acertadas. Isso é uma ficção, não existe, mas eu tenho, absurdamente, sem perceber, levado meu nível de exigência a esse grau, o que foi acentuado pela passagem pelo doutorado. Quer dizer: não é preciso tiranos, eu instauro a tirania. No limite, não há uma ética da vida, embora a ética seja uma boa baliza para nortear a vida de relação. O trânsito das vozes, no concerto das escolhas, é dissonante, e talvez seja a consciência disso a maior fonte de sofrimento. Não só dissonante: não encontra, por vezes, um terreno comum em que possa intercambiar-se na condição de diálogo: a arena dos discursos não é plana, ela configura-se antes ao modo de uma paisagem de Escher. As perspectivas não podem dialogar, o que não deixa de mostrar os limites da linguagem, para além da ilusão referencial.

Escher, Castrovalva, 1930, litografia (aqui)

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