Ninguém sabe muita coisa do outro que está fora de si, mas interpretar é praxe corrente. Todos nós somos outros, no sentido de abrigarmos outros que tentamos enfeixar na palavra eu, para maior praticidade e adequação social. A outridade. Não é possível viver em sociedade se o eu está sempre prestes a desintegrar. Pois é isso que acontece quando se tem muita ciência de ser outro. A pele negra que nunca tive uma dia falará em mim? Isso tudo é muito complexo, como se fosse uma equação matemática cujas variáveis fossem dançantes, e sofressem desproporção conforme a equação avança. Não quero falar a palavra poesia. Pois senão enveredarei para a crítica, e não é este o propósito agora. Sei que na poesia moderna essas questões estão mais do que colocadas: elas são a própria poesia. Fim do parêntese. Sentir esses outros palpitando em si, sentir-se às vezes como uma geleia, e ao mesmo tempo precisar de um eu a postos para os imperativos da sobrevivência, talvez seja o dilema da liberdade. Até onde vão os imperativos da vida, do eu, e o que sobra para essas outras forças, tão vitais quanto o alimento que se come, comprado com o suor do eu que se dispõe, manso, a trabalhar? Não há outro jeito. Quão amplos são esses ditames? Quanto de espaço sobra para o amorfo, para mirar-se no espelho cego da outridade?
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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