Disse à minha analista que estudei até a terceira série num lugar chamado Escola Singular de Destino. O verbo estudar merece ser sublinhado. Apesar do dado selvagem iminente de tudo, eu estudava, e, conforme já postei aqui, com a cartilha Caminho Suave. E sem cogitar sequer o que era destino, o que significava esta palavra, o alcance das sete letras numa palavra nem feia nem bonita ― as altas metafísicas não entravam nas primeiras letras ―, eu gostava daquela cartilha, da sugestão do caminho suave. Minha candura apostava nele, embora os primeiros sinais de aridez e violência se fizessem notar, até mesmo pelo abandono de tudo. Alguma coisa ali despertava o meu amor, porque o resto, apesar de incômodo, ficava nos limites da palavra incômodo, não chegava até mim. O que chegava era outra coisa, de uma opacidade que só fui perceber quando precisei começar a tentar entender as coisas, as grandes e as pequenas, o contorno que minha vida tomou, às voltas com outra cartilha, outro ABC.
Não ver no Mundo a sua face ―
É muito tempo ― até que eu ache
Onde isto ― é tudo só
Uma cartilha ― para a vida ―
Na prateleira ― inatingível ―
Fechada ― para nós ―
Mas a cartilha é o que me basta ―
Livro nenhum ― me fará falta ―
Por mais raro ― o saber ―
Pode alguém ser ― o mais instruído ―
Tomar nas mãos ― o Paraíso ―
Eu só quero ― o ABC ―
Not in this World to see his face ―
Sounds long ― until I read the place
Where this ― is said to me
But just the Primer ― to a life ―
Unopened ― rare ― Upon the Shelf ―
Clasped yet ― to Him ― and Me ―
And yet ― My Primer suits me so
I would not choose ― a Book to know
Than that ― be sweeter wise ―
Might some one else ― so learned ― be ―
And leave me ― just my A-B-C ―
Himself ― could have the Skies ―
DICKINSON, Emily. Alguns poemas. Trad. José Lira. São Paulo: Iluminuras, 2008, p.64-65.
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