Escrevo depois da chuva. Rasgo linhas como a chuva ― água chamada à terra pelo ciclo atmosférico ― rasga o espaço precipitando-se no chão. As palavras precipitam-se no papel, no seu papel de palavras. Qual é o papel das palavras? O papel branco ― solo ― recebe palavras cujo intento seria, aprende-se muito cedo, comunicar. Um qualquer papel recebe palavras e isso às vezes nada comunica em sua exterioridade, assim como uma chuva pode não despertar nada em quem a mira ― o que talvez seja difícil. Uma chuva pode chegar de muitas maneiras, com alarde ou silenciosamente impressentida ― às vezes, de tão mansa, percebe-se apenas que choveu, ou então que chove uma chuva tão fininha, leve, quase água a flutuar antes de tocar o inevitável solo da gravidade. Mas é como se a gravidade não existisse, e a água estivesse solenemente caindo devagar, como um hino à natureza, desejando, em seu lento tombar, que alguém a note (anote), chuva, água, espanto de que as coisas ainda estejam vivas, beirando o sublime, quando tudo à volta parece conspirar para a morte. Uma chuva assim num domingo à tarde é uma mensagem do céu.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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