Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 4 de setembro de 2011

divagando por aí

A necessidade de encontrar um local para fazer caminhadas regulares levou-me a explorar os arredores de meu bairro e à descoberta de uma versão para uso próprio da Lagoa Rodrigo de Freitas. Não colocarei fotos aqui porque não quero desafinar o coro dos contentes ― tantos esforços e money (do nosso suado bolso, diga-se) para fazer a maquiagem da cidade, não vai ser a chata aqui de plantão que vai borrar o comercial para europeu ver em que se transformou esta cidade. Aliás, nem precisa. Apesar dos malhados esforços da novela, apesar da campanha recente de uma companhia telefônica que se rendeu e ultrapassou as fronteiras do asfalto, apesar do rock in rio, a notícia do jornal, ainda que abafada, continua falando por si e deixando entrever fissuras na maquiagem feita às pressas. De forma que, meu brasileiro Deus, cadê os poemas tirados de uma notícia de jornal? Meu limite de incursão é a Cidade de Deus. E há os ditos sutis ― outro modo de dizer subliminares: ontem, enquanto a TV estava ligada à espera da programação seguinte, o apresentador disse qualquer coisa sobre o desejo de ainda estar, na televisão, aos 80 anos... Um rolex para quem adivinhar quem estava fazendo 80 anos ontem... dado pelo próprio aniversariante, confundindo-se aí o assaltado e o assaltante.

POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da
                                     [Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

BANDEIRA, Manuel. Libertinagem. Poesia completa e prosa. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009, p.110.

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