Morangos Silvestres poderia se chamar Morangos Amargos: a Morte, fria e indiferente, é a grande protagonista de uma narrativa que consiste, do início ao fim, na encenação de um funeral, crônica de uma morte em vida, vivenciada já como companhia, que estende a mão, puxando o médico ancião para si numa das cenas iniciais ― embora falte um pouco de verossimilhança no aspecto um tanto ordenado dos sonhos, enquanto o fluxo das lembranças é por demais lógico, comandado pela razão. Sequer a profissão de médico pode soar como redenção. Há uma espécie de tentativa de alegria, flagrada sobretudo na presença das personagens jovens, mas ela esmaece rápido como as flores, que parecem combinar mais com o tom de velório da narrativa. A memória, festa e funeral, como quer Emily Dickinson, deixa ressoando uma pergunta: em que ponto daquela honrada trajetória (o médico vai receber um título honorífico numa Universidade) houve uma escolha infeliz? Houve escolha? Quando, na festa cercada de amor da infância, a vida, jardim de caminhos que se bifurcam, tomou o rumo da morte, que galgou aquele destino?
Memory is a strange bell ―
Jubilee and knell.
A memória é um sino original ―
Festa e funeral.
DICKINSON, Emily. Alguns poemas. Trad. José Lira. São Paulo: Iluminuras, 2008, p.102-103.
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