OS POETAS ESTÃO COM MEDO...
Os poetas estão com medo das palavras:
é o sinal evidente que devem detoná-las.
A vida implora: quer ser refeita
sob os escombros. Tantas avenidas
trânsito parado rios enfermiços pássaros
em debandada: encontrarão talvez seu pouso
num disco voador receptivo ao voo e ao canto.
Desencanto do presente. Economia economia
economia e a casa em desordem.
Um pouco de filosofia não fará mal nenhum.
Os jovens poetas leem Giordano Bruno
Nietzsche e sabem que eles mais perto estiveram
do noumeno do que esses fenômenos de efeito
especial ― barulho e repetição. O mal
é o alienígena, bárbaro à vista como sempre
e outrora. Detonem a palavra ― poetas ―
poetas é outro nome de guerreiros e amorosos
do ser. Venham com seus amores transfigurados
com sua energia nuclear. A destruição pela
palavra é redemoinho no ar
para novas configurações do imaginário,
de um novo fabulário que liberte Andrômeda
de seus grilhões e torne o monstro
digestível. Tirem a palavra de sua bainha,
o coração, sem hesitar. A palavra
― sopro cosmogônico― nossa arma de predileção,
nossa bomba amorosa de efeito retardado
mas seguro. O mundo que se desmunda aí está
à espera de aragem sagrada de vossas bocas
dizei um novo Atharva-Veda poetas oficiantes
buscai o ponto de união de tantos cacos
dispersos; dizei o verso que vem aos trancos
e barrancos dependendo de vossa ousadia
e alegria, pois é sempre alegre
o gesto criador, a palavra inicial.
Dora Ferreira da Silva. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p.401-402.
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