A homeopatia e a psicanálise marcaram encontro em meu sonho, nas imagens de papeis rasgados. Desde a primeira consulta meu homeopata pediu que eu preenchesse um questionário, algo que sempre deixo para depois: responder perguntas é sempre invasivo. Ocorre que na última consulta o tal questionário voltou à baila, mas no sonho ele aparecia associado à minha analista, como se ele o tivesse solicitado. Ela não me apresentou nenhum formulário para preenchimento, mas faz perguntas de que me esquivo ― um direito que me assiste vivendo numa democracia. Parêntese: solicitado a se manifestar numa prova acerca da noção de hierarquia no texto de Millôr Fernandes, um aluno do 6º ano disse que era o contrário de democracia. Faz sentido, segundo a democrática noção de democracia que nos é vendida cotidianamente. Então uma pessoa com pendores democráticos teria facilidade de fazer análise ― desde que não visse naquela relação qualquer forma de hierarquia. Acontece que o rompante de rasgar os papéis (o dito questionário) e discutir com a analista, abandonando a sessão, é uma reação enérgica o suficiente para mostrar o direito à privacidade numa sociedade democrática. Logicamente que por de trás dos papéis rasgados em sonho há outros, e isso tem profundas implicações com a continuidade ou não do processo de análise, e do que (ou de quem...) poderá sair de lá. Por outro lado, há outros papéis sendo preenchidos, tentando quebrar a rigidez dos papeis rasgados em sonho. Há papéis com que se busca fazer a catarse.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
Nenhum comentário:
Postar um comentário