Diante do calor intenso ao retornar do trabalho, por volta de meio dia, percebi no trajeto uma nova filial de uma conspícua rede de farmácia. Com o sol a pino, um detalhe me chamou a atenção: não havia qualquer marquise na loja, nem mesmo que a justificativa fosse o estacionamento ― o prédio que abriga a loja parecia um cubo, ou uma figura geométrica correlata. Quer dizer, não há intenção de abrigar o cliente ou transeunte nas imediações, seja da chuva ou do sol. Não é a primeira vez que noto isso, um estabelecimento comercial a descurar das marquises. E então me ocorreu que pode ser algo premeditado, não no sentido da economia de uma quantia irrisória de cimento ou mão-de-obra, mas para que o local, em hipótese alguma, venha a abrigar moradores de rua, ou mesmo camelôs. Principalmente os primeiros. A imagem também me remeteu a uma das cenas mais cruéis do livro Não verás país nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão ― um grande nada, o sol e o calor intenso tomando conta de tudo.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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