Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Jorge de Lima: Livro de Sonetos

O rochedo do sono é tão fechado,
tão pedra de Esaú, tão existido,
que ele cumpre na vida um grande fado,
― o de acolher um Édipo impunido.

Sempre em seu bojo há um anjo adormecido
e um menino num poço debruçado;
o cão noturno late, e o seu latido
é o grito do menino já afogado.

À noite, barba-azul dormindo joga
sete princesas pálidas no poço,
e o poço voracíssimo as engole.

E engole indiferentemente quem se afoga,
― sete pedras atadas ao pescoço
que pedra e amor é o mesmo no seu gole.


Jorge de Lima. Poemas negros. Rio de Janeiro: Record, 2007, p.178.

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