Escrever é um ato solitário, impermutável, intransferível. Escreve-se
com o corpo, com as mãos, dobrando cada palavra ao gesto de querer simplesmente
marcar, sulcar um veio no terreno de que a trama dos sentidos emana. Retomo
o comentário da Helena a propósito do poema de
Ana Hatherly: Pois é isso mesmo que a palavra é: um gesto arcaico! ― “A palavra-escrita/ é um labor arcaico:/
sulca enigmas/ venda e desvenda/ o sentido do gesto” ― A palavra-escrita torna-se um novo
substantivo: não é apenas a palavra escrita, é a palavra tornada escrita, quase
obrigada a sulcar enigmas, traçar linhas numa folha como o tempo traça rugas na
face. É a escrita que arranca a palavra de seu estado de dicionário para
obrigá-la a ser o que afinal justifica sua existência, da palavra-escrita:
gesto que liberta a garganta das constrições do tempo, que impõe bem mais que
rugas à face.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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