O cotidiano é o lugar por excelência da vida. Certa
recorrência, as tarefas rotineiras e a ausência de brilho são traços do viver
miúdo. Um outro traço seria a aleatoriedade da ação, no sentido de que não há
urgência, pressa ou mesmo uma ordenação hierárquica que obrigue as coisas a
serem dessa e não daquela maneira. E é nessas brechas, na disponibilidade para
o imprevisto, que o cotidiano pode surpreender ― ou ser surpreendido ― no sentido de que o próprio
imprevisto pode irromper. Dá-se a coincidência de uma pausa com uma música, por
exemplo, ou uma música que leva a uma pausa, e alguma coisa começa a acontecer:
está-se respirando, respirando, respirando... E no movimento da respiração
percebe-se, finalmente, o cansaço, cansaço do contínuo sem pausas para respirar.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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