Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O Céu de Suely


O Céu de Suely (Brasil, Karim Aïnouz, 2006) é uma viagem poética ao universo feminino. O diretor, que já havia demonstrado maestria com Madame Satã, capta com sensibilidade os conflitos de uma mulher, Hermila, em ótima interpretação de Hermila Guedes (o diretor adotou para os personagens os mesmos nomes dos atores, uma curiosidade a mais na trama), que busca um caminho próprio entre os descaminhos do amor e acaba adotando o nome de Suely. No trailer, o personagem interpretado pelo ótimo João Miguel interpela Suely em tom de cobrança: "cadê teu macho?". Sumiu, não veio de São Paulo para a pequena Iguatu, interior do Ceará, conforme havia prometido. Hermila, tentando encontrar um destino para si mesma, descobre um estratagema para conseguir dinheiro e ir embora, e esse estratagema justifica poeticamente o título do filme - o céu de suely - que dá azo a outras interpretações. O que há de feminino em O Céu de Suely? Muita coisa, mas principalmente o direito da mulher de fazer suas escolhas, algo abordado com extrema delicadeza e sensibilidade. A cena final, inesquecível, dá a medida dessas escolhas.

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