Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Oscar Gama Filho

NUM POEMA, CURTO

Sou igual a todos
e a tudo sou diverso de mim.
Não sou igual mesmo assim.
Me perdi antes do filme ter fim.

O passado bate à porta.
O futuro também.
Sólido no momento presente,
Não estou para ninguém.

Real é o que existe.
Minha alma é uma lâmina cega
embutida no fio da navalha.

Ás de paus que se perde no que faz
e no fazer do sim que não se faz-se,
Em que máscara perdi minha face?

Minha pequena, tenha calma:
O corpo é apenas
o caminho para a alma.

O poeta semeia o impossível
e o seu coração.
O impossível cresce. Ele, não.

Se amas o que tu amas,
Não o tragas sempre junto assim.
Perde-o, de vez em quando,
E de novo o acharás  ̶  junto a ti.

Meu amor é meu remédio:
Cura tudo,
Menos o tédio.

Eis a arte da festa:
Chegar na hora exata.
Sair na hora certa.

Estes olhos não são meus:
Eu não era tão seu.
Tiraram, devagar, meus olhos
e derramaram petróleo no lugar.
A visão do negror enxerga mais fundo
a cegueira que alvorece o mundo.

Essas flores parecem mortas, senhora,
Mas não estão não,
A beleza é maior do que a vida
E as faz renascer no coração.

[A parte que nos toca: literatura brasileira feita no Espírito Santo.Org. Miguel Marvilla e Reinaldo Santos Neves. Vitória: Florecultura, 2000, p.183-184.]

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