Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 14 de novembro de 2010

Jabuti

A respeito do recente barulho envolvendo o rompimento de uma editora de peso (a Record) com o prêmio Jabuti, por discordar dos critérios de premiação, ditos políticos, me parece que o rompante tem mais de comercial que qualquer outra coisa. Não li Leite derramado, e ouvi de fonte segura que não é bom. Depois do surgimento da FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty, e seus muitos holofotes duvidosos, a questão é alguém ainda acreditar em critérios não comerciais para qualquer coisa envolvendo literatura no Brasil. Os mentores da coisa bem poderiam ter disfarçado e adotado o termo Feira, em vez de Festa. Mas ficaria muito bairrão, muito convencional. A literatura anda a adjetivar festas, definitivamente perdendo qualquer atributo substantivo... e a editora vem reclamar de critérios políticos de escolha. Por que não reclamaram do ex-presidente FHC fazendo a conferência de abertura da última FLIP, cuja temática principal era Gilberto Freyre, em pleno ano eleitoral? A questão é outra: políticos ou não, há muito os critérios têm sido tão-somente comerciais. A mesma editora vem lançando a obra de Carlos Drummond de Andrade em livros avulsos, depois de ter sido ela editada como obra reunida, pela tradicional casa editorial José Olympio, adquirida recentemente pela dita editora: "Estabelecida no mercado desde 1931, a editora José Olympio é um dos pilares da cultura brasileira. Atravessou várias fases e boa parte da história editorial brasileira. Pelas mãos de seus colaboradores, muitos originais saíram do prelo para a posteridade, como o eterno Fogo morto, de José Lins do Rego. Integrando o Grupo Record desde 2001, a José Olympio restaura, com frescor e dinamismo, seu patrimônio editorial." Mais um passo e o Grupo Record vai se ver imbuído da missão de preservar a cultura brasileira da inevitável erosão a que toda cultura está sujeita, refreada apenas pelo trabalho anônimo e sem graça dos que se entregam à pesquisa das fontes e ao pó e mofo dos arquivos, e que, com alguma sorte, encontra visibilidade e consegue publicação, raramente por uma editora de peso. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário