A respeito do recente barulho envolvendo o rompimento de uma editora de peso (a Record) com o prêmio Jabuti, por discordar dos critérios de premiação, ditos políticos, me parece que o rompante tem mais de comercial que qualquer outra coisa. Não li Leite derramado, e ouvi de fonte segura que não é bom. Depois do surgimento da FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty, e seus muitos holofotes duvidosos, a questão é alguém ainda acreditar em critérios não comerciais para qualquer coisa envolvendo literatura no Brasil. Os mentores da coisa bem poderiam ter disfarçado e adotado o termo Feira, em vez de Festa. Mas ficaria muito bairrão, muito convencional. A literatura anda a adjetivar festas, definitivamente perdendo qualquer atributo substantivo... e a editora vem reclamar de critérios políticos de escolha. Por que não reclamaram do ex-presidente FHC fazendo a conferência de abertura da última FLIP, cuja temática principal era Gilberto Freyre, em pleno ano eleitoral? A questão é outra: políticos ou não, há muito os critérios têm sido tão-somente comerciais. A mesma editora vem lançando a obra de Carlos Drummond de Andrade em livros avulsos, depois de ter sido ela editada como obra reunida, pela tradicional casa editorial José Olympio, adquirida recentemente pela dita editora: "Estabelecida no mercado desde 1931, a editora José Olympio é um dos pilares da cultura brasileira. Atravessou várias fases e boa parte da história editorial brasileira. Pelas mãos de seus colaboradores, muitos originais saíram do prelo para a posteridade, como o eterno Fogo morto, de José Lins do Rego. Integrando o Grupo Record desde 2001, a José Olympio restaura, com frescor e dinamismo, seu patrimônio editorial." Mais um passo e o Grupo Record vai se ver imbuído da missão de preservar a cultura brasileira da inevitável erosão a que toda cultura está sujeita, refreada apenas pelo trabalho anônimo e sem graça dos que se entregam à pesquisa das fontes e ao pó e mofo dos arquivos, e que, com alguma sorte, encontra visibilidade e consegue publicação, raramente por uma editora de peso.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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