“Existe uma literatura latino-americana?"
“Não me faça rir. Não existe nem mesmo uma literatura brasileira, com semelhanças de estrutura, estilo, caracterização, ou lá o que seja. Existem pessoas escrevendo na mesma língua, em português, o que já é muito e tudo. Eu não tenho nada a ver como Guimarães Rosa, estou escrevendo sobre pessoas empilhadas nas cidades enquanto os tecnocratas afiam o arame farpado. Passamos anos e anos preocupados com o que alguns cientistas cretinos ingleses e alemães (Humboldt?) disseram sobre a impossibilidade de se criar uma civilização abaixo do Equador e decidimos arregaçar as mangas, acabar com os papos de botequim e, partindo de nossas lanchonetes de acrílico, fazer uma civilização como eles queriam, e construímos São Paulo, Santo André, São Bernardo e São Caetano, as nossas Manchesters tropicais com suas sementes mortíferas. Até ontem o símbolo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo eram três chaminés soltando grossos rolos negros de fumaça no ar. Estamos matando todos os bichos, nem tatu aguenta, várias raças já foram extintas, um milhão de árvores são derrubadas por dia, daqui a pouco todas as jaguatiricas viraram tapetinho de banheiro, os jacarés do pantanal viraram bolsa e as antas foram comidas nos restaurantes típicos, aqueles em que o sujeito vai, pede capivara à Thermidor, prova um pedacinho, só para contar depois para os amigos, e joga o resto fora. Não dá mais para Diadorim.”
FONSECA, Rubem. Intestino grosso. Feliz ano novo. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.173.
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