Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 23 de abril de 2011

Murilo Mendes

CONFIDÊNCIA

Digo-te que me busco em todos os retratos,
Na água de muitos rios
E não me reconheço.

Digo-te que invento o livro de imagens
Para ressuscitar a infância
― Não a verdadeira, mas a que sonhei.

Digo-te que procuro um ponto sobre a terra
Onde o homem possa respirar.

Digo-te que abracei a estátua do Ente dos entes
E que meus braços foram em peregrinação ao desconforto.

MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p.366.

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