Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 3 de maio de 2011

Rainer Maria Rilke: Livro de Horas

Minha vida não é esta hora a pique
em que me vês tão afobado.
Eu sou uma árvore em frente ao interior de mim.
Sou uma só de minhas muitas bocas
e aquela que primeiro há de fechar-se.

Sou aquele intervalo entre duas notas
que só dificilmente se harmonizam,
e é quando o tom da morte vai mais alto.

Mas no escuro intervalo as duas soam,
trêmulas ambas.

E é bonito o canto.

RILKE, Rainer Maria. Livro de horas. Trad. Geir Campos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993, p.35.

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