A bondade é uma coisa que foi aparecendo bem aos poucos em mim. Assisto em mim a uma espécie de generosidade entranhada, mas ao mesmo tempo com um tom de impessoalidade. Pois continuo perfeitamente capaz de sentir ódio, se for o caso. Ódio, desprezo, desdém e indiferença são sentimentos que aparecem quando me deparo com uma cegueira maior que a minha, e que de alguma forma me afeta negativamente. Não há nada de cristão em minha bondade. É assim: não quero poluir o meio ambiente, então procuro um posto de coleta seletiva de pilhas e baterias, embora eles estejam mais e mais escassos. Não quero fazer o mal, muito menos o mal absoluto, tomo muito cuidado, mas não aceito que me façam mal. Não permito. Pois é simples: o primeiro beneficiário de qualquer bondade que possa haver em mim deve ser eu mesma. Preciso ser generosa comigo, preciso escrever quando sinto necessidade, trabalhar corretamente, (me-)afastar (d)os envenenadores e produtores da má consciência. Essa operação é complexa, pede filtros sutis e preciosos, mas sem ela o melhor de mim vai ficar condenado às sombras. Porque sei o quanto há de bondade em mim, mas ela só aparece com os canais desobstruídos. Caso contrário, ela perece.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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