Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 10 de junho de 2011

um verbo e seus silêncios

De um poema de Cecília Meireles, a manhã fria e alguns acontecimentos trouxeram-me à memória um verbo pouco comun. No poema, de que não me recordo, é assim: algo que se esboroa. Imagino o verbo à semelhança da forma da água num chafariz, mas em vez do aspecto líquido desta imagem, uma concretude qualquer, que, qual uma torre, ao atingir certo ponto começa a desmanchar-se para os lados, abrindo-se como uma flor matinal. Vou ao dicionário e verifico que a imaginação não me traiu. Um dos sentidos do verbo é desmoronar: “reduzir(-se) a pequenos fragmentos, a pó; desfazer(-se), desmoronar(-se), pulverizar(-se) ― o tornado esboroou a torre; os ramos esboroavam ao menor contato; a construção esboroou-se em segundos.” Não é o vento que esboroa a torre: ela não se sustenta mais, sua base se fragilizou, e não há palavras que impeçam o desmoronamento, o esboroo. Quando começo a assisti-lo, sinto um misto de espanto e incredulidade. Demoro a acreditar que estou vendo o que estou vendo. Mas as evidências acabam por confirmar a queda da torre. Então o silêncio torna-se a forma mais majestosa de contemplar o que não tem volta.

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