Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 24 de julho de 2011

Alexei Bueno

MIRAGEM

Não te impressione a carne jovem,
Precoce e tímido devasso,
Vê que esses corpos que se movem
Como a implorar que outros os provem
Já a muitos foram só cansaço.

Por tais irreais pernas redondas,
Lunares seios arrogantes,
Coxas de bronze, ancas em ondas,
Tragaram seus findos amantes
Suas quase almas muito hediondas.

E hoje há só pó. Da gruta fria
À enorme rua, elas se espalham,
As mesmas formas, todo dia,
Banais, iguais, e em demasia
Para que alguma coisa valham.

BUENO, Alexei. Lucernário. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, p.248.

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