Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 30 de julho de 2011

contemplando o céu (por José Roberto Costa)


ANDRÔMEDA é visível a olho nu, longe das luzes da cidade e numa noite sem luar, como uma pálida mancha de luz nas noites de primavera. Através do estudo de outras colisões de galáxias e usando simulações em computador, os astrônomos montaram um cenário, quadro a quadro, do que eventualmente poderá acontecer com a Via Láctea no caso de uma interação. À medida que as duas galáxias se aproximarem uma da outra, Andrômeda irá crescer no firmamento terrestre, até aparecer como uma enorme espada de luz.

É improvável que a humanidade assista ao nascer desse dia, mas quando Andrômeda estiver perto o bastante da Via Láctea, as nuvens de gás de ambas vão interagir violentamente e centenas de brilhantes aglomerados de estrelas irão surgir no céu. Será um formidável espetáculo pirotécnico por todo o firmamento. A quantidade de estrelas massivas irá crescer drasticamente. Estrelas gigantes azuis vão pipocar por todo o firmamento enquanto outras explodirão como supernovas. Andrômeda levará talvez 100 milhões de anos para se contorcer em forma de U, quando finalmente adentrar em nossa galáxia e se chocar com o núcleo da Via Láctea. Então a matéria de ambas será misturada numa única galáxia elíptica. Finalmente, quando as estrelas acharem seu lugar na nova casa, após um processo dinâmico chamado relaxação violenta, qualquer alusão do que foram a Via Láctea ou Andrômeda terá desaparecido.

E quando novas formas de vida apontarem no horizonte de galáxias vizinhas, talvez olhem na direção do núcleo de uma imensa galáxia elíptica, tentando, como nós um dia, compreender sua evolução. Mas eles não encontrarão qualquer vestígio de que ali existiram duas majestosas galáxias espirais onde viveu uma civilização há muito esquecida. Assim mesmo tudo o que fizemos terá valido a pena, se ao contemplar o céu, pelo breve instante de nossa existência, tivermos aprendido a lição da humildade.

Costa, J.R.V. Via Láctea versus Andrômeda. Astronomia no Zênite, jul. 1999. (AQUI)

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