Bem, já que me parece bem difícil ficar sem escrever, devo dizer que hoje passei pela Avenida Copacabana, já sabendo, antes mesmo de chegar à avenida, que passos ilustres palmilharam-na com amor áspero, e deixaram disso um registro memorável. Mas cheguei, e era quase nada, quase uma avenida como outra qualquer, não fosse eu uma criatura que lê o mundo também pelas lentes de quem o leu antes de mim. Como diria a mesma ilustre passante, jamais seria possível caminhar inocentemente por esta avenida depois que alguém a percorreu em tão alta voltagem. No ir e vir, enquanto buscava o endereço do médico, dei-me conta do noticiário recente, e ri sem maldade ao me ver esquivando-me dos bueiros (e eram muitos, e percebi em outras pessoas movimento similar), enquanto, no mesmo átimo, percebia que não era possível mesmo a distração, não aquela distração da ilustre passante, mas a minha mesmo, distração de quem tinha inclusive quase esquecido a história, a outra, do rato, não a atual, dos bueiros, embora estranha contiguidade as perpassasse e embora eu considere façanha impossível passar na Avenida Copacabana e não me lembrar de Clarice Lispector.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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