Após a leitura de uma teoria sofisticada sobre o capitalismo, e constatados a geladeira e os armários vazios, fez-se imprescindível uma visita rápida ao supermercado (manhã de sábado, primeiro dia do mês, superlativamente um quente e ensolarado dia de rock), que ilustrou de forma cabal a teoria: a agitação das pessoas, carrinhos chocando-se, falta de espaço, mercadorias migrando das prateleiras para os escaninhos dos consumidores, o consumo que nunca é consumo apenas de mercadorias, mas de uma ideia, de muitas ideias, de modos de vida. Então, lembrando-me de uma situação recente vivida no divã, me dei conta de que quero falar de Zizek e não de Cazuza. Na hora achei graça na coincidência da letra Z e sorri, mais para dentro, percebendo que alguém me notava sorrindo. Sorri e apressei o passo. Ali só fico o indispensável. Na estética do capitalismo, o supermercado é o lugar em que a mercadoria atrita com o desejo de liberdade, embora pareça o tempo todo satisfazê-lo.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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